Nunca te esqueças de quem és!
Olha-te ao espelho todos os dias e reconhece na tua cara a justiça, a serenidade e a coragem. Na rua, levanta a cabeça com orgulho. Ainda que mais ninguém saiba, estarás lá para nos proteger a todos e, quando necessário, agirás, sem hesitação.
Nunca te esqueças de quem és porque, no dia seguinte, terás de olhar novamente o espelho e continuar a reconhecer na tua própria cara, a justiça, a serenidade e a coragem.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

FACTOS & MITOS: QUEM DUPLICA O QUÊ NA SEGURANÇA INTERNA?


A discussão sobre a reforma da segurança interna tem trazido a lume a pior vaga de aldrabices e de enganos para justificar uma suposta racionalização, atacando uns mas protegendo descaradamente outros.
O “Programa Chaves” preconiza uma reforma na qual se mantém “Uma Força de Natureza Militar (Guarda Nacional Republicana) mantendo as actuais competências e vocacionada para a vigilância de todo o território (na perspectiva de uma segurança ambiental cada vez mais exigente, extensiva à protecção de grandes infra-estruturas críticas) e subsidiariamente para tarefas tipicamente policiais nos locais onde não exista a Polícia Nacional, sem perder a vocação de interface com as Forças Armadas. Integrará na sua missão o controlo de explosivos e a segurança e controlo das plataformas aeroportuárias, bem como a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis do território nacional, perdendo a valência do serviço marítimo, ficando este limitado às águas interiores e mantendo a vigilância e intercepção terrestre na área de costa, especialmente vocacionada para os domínios fiscal e aduaneiro.”
Notamos que toda a “racionalização” parece focar-se nas forças e serviços de segurança civis (PSP, PJ, SEF) que não só deixam de existir para se fundirem e criarem uma força única como, neste processo são forçadas a ceder competências (especialmente a PSP) que não só são suas há longos anos (com a respectiva experiência e conhecimento densificado), como lhes serão imprescindíveis caso tal projecto de fusões avance.
Também o Professor António Sousa Lara terá comentado, num estudo feito sobre a segurança interna e na sequência das actuais notícias de reestruturação das forças de segurança constante no Programa de Governo do PSD, que a PSP duplicava as estruturas das unidades especiais existentes na GNR.

Pois bem, é precisamente o contrário!

A propósito disto, existem alguns factos que importa conhecer, para que se perceba o histórico de tudo isto e se saiba com clareza quem anda a duplicar quem, quem é racional ou irracional na gestão dos seus recursos e em que tipo de problema estamos a meter Portugal e a segurança dos portugueses com esta militarização encapotada de Sistema Dual.
Em 1975 e face ao contexto social existente, surgiu a necessidade de se criar uma força com uma finalidade específica: assegurar a ordem e tranquilidade públicas.
Assim, em 25 de Novembro de 1975 é formada a Unidade Corpo de Intervenção da PSP, herdeira da extinta Companhia Móvel (desactivada após 25 de Abril de 1974). O seu aquartelamento tem início a 5 de Janeiro de 1976 no antigo Regimento de Cavalaria n.º 7 situado na Calçada da Ajuda - Belém e o primeiro recrutamento acontece a 31 de Janeiro de 1976.
Assim, a PSP já em 1975 tinha criada, regular e legalmente, a sua Unidade Corpo de Intervenção, com intervenções de manutenção e reposição da ordem pública na área da PSP mas também fora dela, por exemplo: em 1976, em Beja (área da GNR) numa manifestação de agricultores e em 1977, em Campo Maior (área da GNR) na desocupação de lagares.
De facto, a GNR tinha sido, na I República e mesmo durante o Estado Novo, a Guarda Pretoriana do regime, o que implicou que fosse sua a incumbência de garantir a ordem entre os populares.
Mas o desprezo pela proporcionalidade na aplicação da força e a falta de preocupação em adoptar doutrinas, tácticas e equipamentos adequados às intervenções de reposição de ordem pública com vista a atingir os objectivos com o mínimo dano possível (na I República chegaram a utilizar-se em Lisboa tiros com peças de artilharia para dispersar manifestantes), levaria a que deixasse de ser sua a missão de reposição da ordem.
Também o Grupo de Operações Especiais (GOE) da PSP foi uma unidade (actualmente uma subunidade da Unidade Especial de Polícia da PSP) que sempre causou inveja aos parceiros militares que julgam, não sem alguma bizarria, que as intervenções armadas devem ser um exclusivo das forças militares.
Quando se fala de duplicações entre as forças de segurança há que compreender que o GOE existe legalmente na PSP desde 1979.
A sua criação legal deu-se com o Decreto-Lei n.º 506/79, de 24 de Dezembro, como unidade especial da PSP para ser utilizada em todo o território nacional, com a missão de “…combater situações de violência, cuja actuação ultrapassa os meios normais de segurança e a colaborar com outras forças policiais na manutenção da ordem, na acção contra outras actividades criminosas, na protecção de instalações e na segurança de altas entidades…“.
Para integrar esta unidade especial da PSP, o pessoal foi recrutado, “…por voluntariado e escolha, entre o pessoal militar, policial e civil dos quadros orgânicos da PSP…”, com menos de 30 anos de idade, e ficando sujeitos a testes médicos, físicos e psicotécnicos.
Ultrapassados estes pré-requisitos, todos os voluntários para integrarem as subunidades operacionais do GOE frequentam o «CURSO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS» (COE).
Ora, apesar da GNR querer agora vir reportar a existência da sua unidade de operações especiais a 1978 (afirmando que o COE Alfa do BOP/RI/GNR existe desde esse ano, desempenhando missões em Portugal e no estrangeiro), antes da publicação da Lei n.º 63/2007, de 6 de Novembro, que aprovou a nova Lei Orgânica da GNR, essa valência não tinha existência legal.
A anterior orgânica da GNR, o Decreto-Lei n.º 231/93 de 26 de Junho que sofreu diversas alterações, mas que, relativamente a aspectos essenciais da organização e funcionamento da GNR estabelecia com clareza instrumentos e processos distintos da PSP, estabelecia:

Artigo 1.º
Definição
A Guarda Nacional Republicana, adiante designada por Guarda, é uma força de segurança constituída por militares organizados num corpo especial de tropas.

Artigo 2.º
Missão geral
A Guarda tem por missão geral:
a)    Garantir, no âmbito da sua responsabilidade, a manutenção da ordem pública, assegurando o exercício dos direitos, liberdades e garantias;
b)    Manter e restabelecer a segurança dos cidadãos e da propriedade pública, privada e cooperativa, prevenindo ou reprimindo os actos ilícitos contra eles cometidos;
c)    Coadjuvar as autoridades judiciárias, realizando as acções que lhe são ordenadas como órgão de polícia criminal;
d)    Velar pelo cumprimento das leis e disposições em geral, nomeadamente as relativas à viação terrestre e aos transportes rodoviários;
e)    Combater as infracções fiscais, designadamente as previstas na lei aduaneira;
f)     Colaborar no controlo da entrada e saída de cidadãos nacionais e estrangeiros no território nacional;
g)    Auxiliar e proteger os cidadãos e defender e preservar os bens que se encontrem em situações de perigo, por causas provenientes da acção humana ou da natureza;
h)    Colaborar na prestação de honras de Estado;
i)     Colaborar na execução da política de defesa nacional.

Artigo 71.º
Regimento de Cavalaria
1 - O Regimento de Cavalaria constitui uma unidade de reserva, em condições de intervir em qualquer área da responsabilidade da Guarda e de executar serviços de guarnição, honoríficos e de representação.
2 - Tem a seu cargo a remonta de solípedes, em colaboração com a chefia do Serviço Veterinário.
Artigo 72.º
Regimento de Infantaria
O Regimento de Infantaria constitui uma unidade de reserva, em condições de intervir na área da responsabilidade da Guarda e de executar serviços de guarnição, honoríficos e de representação.


Conclui-se que a GNR não tinha atribuições de operações especiais, inactivação de engenhos explosivos e, muito menos, de segurança pessoal que agora vai criando sem controlo e “legaliza” a posteriori, apontando o dedo acusador para o lado.

Pergunta-se afinal quem é que anda a duplicar o quê?

Vejamos:

Foi apenas na redacção da Lei n.º 63/2007, de 06 de Novembro (nova Lei orgânica da GNR) que surgiram as seguintes duplicações, até então fáceis de resolver.

Artigo 44.º
Unidade de Intervenção
1 - A UI é uma unidade da Guarda especialmente vocacionada para as missões de manutenção e restabelecimento da ordem pública, resolução e gestão de incidentes críticos, intervenção táctica em situações de violência concertada e de elevada perigosidade, complexidade e risco, segurança de instalações sensíveis e de grandes eventos, inactivação de explosivos, protecção e socorro e aprontamento e projecção de forças para missões internacionais.
2 - A UI articula-se em subunidades de ordem pública, de operações especiais, de protecção e socorro e de cinotécnica.
3 - Integram, ainda, a UI o Centro de Inactivação de Explosivos e Segurança em Subsolo (CIESS) e o Centro de Treino e Aprontamento de Forças para Missões Internacionais (CTAFMI).
4 - Por despacho do ministro da tutela podem ser destacadas ou colocadas com carácter permanente, forças da UI na dependência orgânica dos comandos territoriais.
5 - A UI é comandada por um major-general, coadjuvado por um 2.º comandante.

Percebe-se assim que a GNR só em 2007 é que viu serem-lhe reconhecidas legalmente algumas das competências que tem andado a “copiar” da PSP (algumas delas chegando mesmo a copiar descaradamente o nome!) há anos, com gastos elevadíssimos em material, formação equipamento e recursos humanos que ninguém quis ver ou impedir.
É preciso também que se esclareça que, embora não detenham competências de Segurança Pessoal, pois é uma competência exclusiva da PSP, a GNR já formou pessoal em Segurança Pessoal (duplicação sem competências, como aconteceu com o COE) e anda, por esse mundo fora, nomeadamente em Timor Leste, a dar formação em Segurança Pessoal, arrogando-se um conhecimento inaudito e assumindo-se como competentes nesta e noutras matérias!
Paralelamente, querem forçar a anexação da competência de segurança aeroportuária que a PSP exerce exclusivamente há mais de 60 anos, e a de controlo, licenciamento e fiscalização de armas e explosivos que a PSP exerce exclusivamente desde a extinção da antiga Comissão de Explosivos.

Será isto racional?

Estes são os factos, facilmente comprováveis por quem quer que seja, e é este o estado de uma força militarizada e disciplinada que, de uma forma inaudita, desbarata recursos do erário público duplicando unidades e competências de outras forças e serviços de segurança e de protecção civil e emergência…

AF / DS