Anda tudo escandalizado com um tal relatório que o Governo português terá encomendado aos seus “associados” do Gang do Fundo Monetário Internacional (FMI) que versa sobre a “reforma das funções sociais do Estado” e que pretende conseguir um corte de 4.000 milhões de euros na despesa pública.
Para início de conversa, convém dizer uma, duas ou mesmo três coisas.
Em primeiro lugar desenganem-se aqueles que acham que o governo foi surpreendido pelo que vem escrito no relatório. Está lá escrito, preto no branco, que as informações (certas ou erradas) que aí se encontram foram conseguidas com a ajuda de pessoas cujos nomes são amplamente conhecidos e que ocupam cargos no executivo eleito pelos portugueses para governar.
Na página 5 do relatório lê-se o seguinte:
“In drafting this report, the team benefited greatly from discussions with Ministers and/or State Secretaries from all 11 ministries as well as their staffs, and with various representatives of other organizations. Specifically, the mission met with Ministers of State Vítor Gaspar (Finance) and Paulo Portas (Foreign Affairs); Ministers José Pedro Aguiar-Branco (National Defense), Miguel Macedo (Internal Administration), Paula Teixeira da Cruz (Justice), Álvaro Santos Pereira (Economy and Employment), Assunção Cristas (Agriculture, Sea, Environment, and Spatial Planning), Paulo Macedo (Health), Nuno Crato (Education and Science), and Pedro Mota Soares (Solidarity and Social Security); and Secretaries of State Carlos Moedas (Prime Minister’s Office) and Paulo Simões Júlio (Minister Assistant of Parliamentary Affairs). The mission team greatly benefitted from the guidance provided by State Secretaries Luís Morais Sarmento and Helder Rosalino of the Ministry of Finance, and Miguel Morais Leitão of the Ministry of Foreign Affairs. The team would like to express its sincere appreciation for the excellent discussions and feedback provided by the government officials it met with. It would like to express its gratitude to the staff of ESAME for its outstanding coordination and logistical help during the team’s stay in Lisbon.”
Mesmo quem não domina o inglês, há-de reconhecer o nome das pessoas que fizeram parte do casting de apoio do FMI.
Em segundo lugar, estou com a maioria de portugueses que, tendo ou não votado para formar este governo, entende que não o mandatou como comissão liquidatária do Estado.
O Estado existe exclusivamente para cumprir um conjunto de funções destinadas a garantir a coesão, proteção, desenvolvimento individual e coletivo e o progresso social. A governação tem em vista a criação de bem-estar geral para todos os cidadãos e não pode constituir-se (como acontece em Portugal há muitas dezenas de anos) como plataforma de transferência de receitas coletadas através dos impostos de cada um dos cidadãos contribuintes, para o bolso de pessoas, empresas privadas, grupos económicos, bancos, partidos, filiados e amigos do partido e outros ainda mais difíceis de identificar.
Foi isso e nada mais que nos trouxe a esta situação.
Em terceiro lugar, não posso concordar com a maioria das posições que o FMI assume em nome do governo (ou será ao contrário?), louvando e preconizando a destruição do tecido económico, a redução da condição social e económica da maioria dos portugueses a patamares subdesenvolvidos, o desaparecimento das funções do Estado...
Para que nos serve um Estado que não se ocupa da promoção da natalidade, fornecendo condições que promovam o aumento da população e a sustentação do sistema social?
Sabem que Portugal é um dos países no mundo que apresenta maior tendência para o envelhecimento?
Sabem que consequências isso vai ter no futuro de todos nós?
Para que nos serve um Estado que não garante cuidados mínimos gratuitos de saúde aos seus cidadãos, especialmente nas idades mais jovens e na velhice?
Para que nos serve um Estado que não fornece educação básica gratuita às suas crianças?
Estaremos apostados em produzir apenas escravos?
Sabem que a educação é o trampolim das oportunidades?
Se só alguns têm acesso a uma educação de qualidade, pagando, que tipo de população teremos no futuro?
Queremos retornar e perpetuar os ciclos de ignorância e miséria que levaram a que Portugal até aos anos 70 do século XX fosse um país de oligarquias?
Hoje, os cidadãos portugueses estão fartos de terem das mais severas cargas fiscais da Europa sem qualquer retorno, porque se anda a dar para uma miríade de cargos políticos, nos Partidos, na Assembleia da República, no Governo, nas Regiões Autónomas, nas Autarquias, porque se encheu os mais elevados cargos da administração pública de boys e girls dos partidos que não podem ganhar como os funcionários públicos, cargos onde deveriam estar pessoas experientes da carreira da administração, porque se anda a dar a comer a bancos, a grupos empresariais, a consultadorias e a Parcerias Público-Privadas, porque não são os ordenados dos funcionários públicos da administração direta, central, regional e local do Estado que são elevados, mas sim os dos que os ocupam por nomeação ou eleição política e os gestores que apareceram para salvar a administração, porque não é a administração direta do Estado não é toda a Administração, existe uma outra indireta, oculta, supostamente mais eficiente e acostumada a maiores e melhores padrões de qualidade que surgiu nos anos 80 e que se tornou o maior encargo do Estado e do contribuinte, porque não são os portugueses (do público e do privado) que são pouco produtivos mas os seus dirigentes e gestores que são incompetentes, gananciosos e desonestos.
Está na hora de abrir os olhos. Anda uma série de gente a ganhar reformas completas da administração pública que dificilmente se podem contar como funcionários públicos e para as quais nunca descontou: deputados com duas ou três legislaturas, membros obscuros do governo, autarcas, gestores privados da coisa pública…
As principais medidas propostas pelo Gang do FMI são, no mínimo indecorosas e preconizam a redução no investimento do Estado no desenvolvimento para, precisamente, fazer do Estado um coletor de impostos que se limita a transferir dinheiro para que privados executem as suas tarefas.
O Gang defende coisas extraordinárias:
· A aplicação de um corte transversal no salário base dos trabalhadores da função pública entre os 3% e 7% de forma permanente a partir de 2014 e o aumento do período de prestação de trabalho de 35 para 40 horas semanais.
· A redução até 20% no número de funcionários públicos nas áreas da educação, segurança e ainda nos administrativos com baixas qualificações (mas não nos quadros superiores e nos gestores, assessores, consultores…), criando uma antecâmara para o despedimento a que chamam “mobilidade especial”.
· O corte das pensões de reforma entre 10% a 15% e o aumento da idade da reforma para 66 anos.
· A limitação de atribuição de benefícios sociais recebidos por cada agregado familiar.
· A diminuição dos subsídios de desemprego como forma de incentivar o regresso ao mercado de trabalho – sim, um trabalho qualquer, pago a qualquer preço, com qualquer horário e sem qualquer segurança...
· Aumento das taxas moderadoras no acesso aos cuidados de saúde e a redução da comparticipação na compra dos medicamentos por parte dos utentes – sim, todos, as grávidas, os doentes crónicos, os idosos...
· A dispensa de professores e aumento de propinas – sim, para que queremos educação? Quanto mais burros formos todos, mais lombo temos para aguentar tudo isto sem perceber quem nos atou à nora! Licenciaturas são para quem as pode pagar, como o Sócrates, o Vara e o Relvas…
Alguém tem dúvidas que estamos cada vez mais inseguros e vulneráveis?
Pergunto-me que país teremos e terão os nossos filhos e netos se continuarmos entregues a estes políticos que desprezam o Estado e as suas funções.
MR