A Maria foi ao posto da GNR de Pínzio para apresentar uma queixa mas teve de se vir embora porque só lá estava um militar que não tinha “mesmo” disponibilidade para a atender.
O Carlos, que passava férias com a namorada no Algarve, foi ao posto da GNR de Vila Real de Santo António para participar o extravio de uns documentos pessoais, quando dois militares saiam do local fechando a porta. Foram educados e prestáveis: “Desculpe lá, mas temos de sair. Venha cá mais tarde.” Passou mais tarde mas o posto continuava fechado. Eram duas da manhã e encontrou um dos militares à porta de uma discoteca vestido de fato escuro e t-shirt apertadinha. Ainda teve para lhe perguntar se já lhe podia participar o extravio, mas como o guarda estava disfarçado de porteiro, teve medo que a sua impertinencia lhe garantisse uma sova e de não conseguir apresentar queixa!
A Ti Lúcia que vive numa casa velhinha num pequeno monte para o lado de S. Cristóvão foi ao posto da GNR da freguesia porque alguém lhe levou o cão, umas ferramentas, rações e todas as galinhas que ainda tinha na capoeira. Bateu com o nariz na porta porque não estava ninguém no posto. A caminho de casa à boleia com um afilhado passou por uma Tasca que aí existe onde viu o carro da guarda. “Não faz mal filho, amanhã vou visitar a minha comadre a Montemor e falo lá no posto com os senhores.” No dia a seguir em Montemor-o-Novo disseram-lhe que tinha de apresentar queixa no posto de S. Cristóvão, que era para isso que ele lá estava.
O Sr. Andrade andava para participar no posto de Santa Eulália o furto da sua pouca cortiça já empilhada e pronta para levar. Um dia próximo do fim do mês, lá foi falar com os militares que acabaram por sugerir que fizesse isso em Elvas, quando lá fosse, pois era natural que os ladrões fossem de lá (não apresentou queixa em lado nenhum).
Quem vive, tem família ou visita o interior de Portugal conhece histórias parecidas com estas e apercebe-se facilmente do que está mal.
Talvez fosse injusto colocar os responsáveis por estes postos territoriais da GNR numa posição em que tivessem de justificar o ocorrido pois, provavelmente, também desconhecem uma boa parte do que se passa e apenas sabem que não têm efetivo suficiente para patrulhar áreas tão extensas.
Existem pessoas em localidades que nunca tiveram a visita das autoridades na sua zona de residência, nunca falaram com eles, nunca tiveram qualquer tipo de contacto e outros que, quando o tentaram fazer, não o conseguiram, ora porque o posto estava fechado, ora porque quem lá estava não os atendeu.
O patrulhamento rural é praticamente inexistente. As operações de fiscalização são cirurgicamente colocadas à entrada das vilas e cidades a cargo da PSP onde se garante visibilidade, mas onde os efeitos na insegurança das populações sob responsabilidade da GNR são reduzidos e aposta-se em campanhas de propaganda para encher o olho e os noticiários nacionais, as “Azeitonas Seguras”, “Campos Seguros”, “Cobres Seguros”... mas que, numa postura medieva mas predestinada às loas e honrarias, dão mais jeito aos “morgados” que aos “servos da gleba”.
Todos os anos pelo verão vai um monte de gente de Lisboa ao Algarve fazer uma peça de teatro chamada reforço do “Verão Seguro”. Exposição de material, reuniões com os presidentes de Câmara e de Junta, apresentação de estatísticas, etc.
Mas que estatísticas pode haver se nada ou pouco se regista na área da GNR?
Sabemos que a criminalidade das zonas rurais aumenta em número e gravidade por causa de um efetivo aumento dos registos (nem sempre recolhidos pela GNR), mas essencialmente por via dos casos mais graves ocorridos com estrangeiros que se instalaram nos montes alentejanos e algarvios e que serviram de alarme para políticos e comunicação social.
Mas o que se passará com todas as outras pessoas que vivem nesses locais isolados e que, por via da sua fraca integração, instrução e capacidade económica optam por aguentar sem se queixar?
Só existe insegurança nesses locais durante o verão e entre a gente rica?
É só quando os estrangeiros se queixam (e porque esses se queixam!) que nos lembramos do assunto?
Aparentemente o comandante da GNR de Faro fica sempre triste e aborrecido com o comandante da PSP de Faro (sim… há dois comandantes sedeados na cidade de Faro, um que comanda efetivamente a cidade e outro que está lá de armas, brasões e bagagens, mas que se devia dedicar às zonas rurais) quando este expõe dados de evolução favoráveis da criminalidade, do policiamento, da fiscalização… não pode!?
Pelos vistos o que está mal não é o mau desempenho da GNR. O que é inaceitável é que a PSP demonstre melhor desempenho deixando a GNR numa posição delicada.
Apesar dos 85 postos territoriais com menos de 5 militares (que por isso deviam de ser condecorados, cada um deles, com uma medalha de ouro de serviços distintos por estarem tão próximos daqueles bravos soldados solitários nas trincheiras da 1.ª Grande Guerra!) a GNR está a apostada em melhorar a situação das populações, através da aglomeração de efetivos num posto que passa a servir três áreas (que ficaram abandonadas), com a colocação de câmaras com ligação a postos de maior efetivo (em que o efetivo conhece linguagem gestual para perceber o que o cidadão está a tentar transmitir), e agora com a formação de 1700 interlocutores locais.
Sim “interlocutores locais” que, de acordo com o que se pode interpretar das afirmações do major Paulo Poiares, são gente local que é doutrinada pela GNR para ver se os rurais se põem no lugar deles e deixam de chatear a guarda com porcarias que não valem nada, como é o caso da sua segurança.
De acordo com a reportagem da LUSA e do SOL de 6 de janeiro de 2013, «“Esta iniciativa permitiu dar a conhecer melhor a estrutura e o funcionamento da Guarda, assim como explicar algumas questões ao nível da legislação. Serviu igualmente para quebrar o gelo entre a GNR e a população, além de que a troca de experiências e de conhecimentos têm como objetivo apoiar os cidadãos”, explicou à Lusa um dos formadores.»
Qual falta de policiamento!? Quebrar o gelo, sim! Esse, afinal, é que tem sido o problema! As planícies do interior estão cheias de gente “congelada” que é ignorante e que precisa de saber uma coisa ou duas sobre legislação e sobre a estrutura e funcionamento da guarda para deixar de se queixar por tudo e por nada.
Se por exemplo a Ti Lúcia soubesse que a estrutura e funcionamento da guarda não permite ter postos abertos para receber os cidadãos, nem patrulhas para acautelar a sua integridade e a segurança dos seus bens, para ter unidades especiais em Lisboa e unidades em todas as sedes de concelho onde não têm responsabilidade nenhuma, não se tinha cansado tanto a tentar apresentar uma queixa.
Diz a notícia que «Entre os objetivos desta iniciativa estão a identificação de potenciais interlocutores de segurança, promover o policiamento comunitário e aumentar a qualidade da ação policial através do aprofundamento das relações comunitárias.»
Estou curioso para saber como se fará policiamento comunitário sem polícias, como se aumenta a qualidade da ação policial e se aprofunda as relações comunitárias sem estar com as populações e distanciando os pontos de contacto ao ponto de ter de nomear interlocutores.
Note-se que um interlocutor é um intermediário.
A partir de agora ninguém liga para a GNR a não ser o “interlocutor”?
A confusão doutrinária é grande.
Parece que Timor, Iraque e Afeganistão fizeram mal à nossa GNR.
Aí acreditamos que precisassem de intérpretes e interlocutores, mas em Portugal? Não falamos nós todos a mesma língua? Não é obrigação das autoridades procurarem o contacto direto com as suas populações? Não se impõe a uma autoridade com competências policiais num Estado de Direito Democrático, o conhecimento direto das necessidades de segurança da população que serve?
Isto é jet-lag da viagem de Dili para Lisboa ou estamos a assistir a um afastamento disfarçado de proximidade!?
Estamos a brincar aos polícias ou pura e simplesmente deixámos de saber fazer esse trabalho?
Esta coisa dos interlocutores faz-me lembrar que na sua origem a GNR foi criada para garantir a segurança do partido republicano (não fosse a monarquia fazer um contra-golpe) mas cedo se percebeu que o Estado devia de estar presente em todo o território para cumprir com a proteção do regime. Assim a GNR deveria substituir gradualmente os Regedores e seus Cabos de polícia. Esses eram uns cidadãos que constituíam uma milícia para garantir um “policiamento” e uma aplicação (duvidosa) da lei, de forma completamente desregulada e sem controlo legal ou judicial nas zonas do interior rural onde não havia Polícia.
Agora, parece que a GNR está a tentar fazer-se substituir por novos Regedores e Cabos de polícia… trata-se de uma regressão ao séc. XIX, mas aparentemente, parece que o governo aprova e está alegremente apostado em desmantelar o que funciona bem, para embarcar de forma confiante nestas… inovações?!
MR