Nunca te esqueças de quem és!
Olha-te ao espelho todos os dias e reconhece na tua cara a justiça, a serenidade e a coragem. Na rua, levanta a cabeça com orgulho. Ainda que mais ninguém saiba, estarás lá para nos proteger a todos e, quando necessário, agirás, sem hesitação.
Nunca te esqueças de quem és porque, no dia seguinte, terás de olhar novamente o espelho e continuar a reconhecer na tua própria cara, a justiça, a serenidade e a coragem.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Porque é conveniente recordar e conhecer: os militares da revolução, por Francisco de Sousa Tavares

Deixo-vos hoje, sem quaisquer outros comentários mas com alguns sublinhados que me parecem ser alertas ainda muito atuais, uma outra crónica de Francisco de Sousa Tavares, esta publicada a 5 de Agosto de 1980 n’A Capital com o título «A Guarda Pretoriana»:

«Cinco anos depois da luta dos «nove» contra Vasco Gonçalves, eles e a sua gente, agregados em torno do bloco de força que é o Conselho da Revolução na sua expressão maioritária, travam uma luta que, quer se queira quer não, para todos aqueles que têm memória, e para a opinião pública em geral, é uma luta precisamente de sinal contrário.

Há muito tempo que, paulatinamente, o abraço entre vencedores e vencidos do «Verão quente» do «golpe de Tancos» e do 25 de Novembro tem vindo a ser dado. De festival em festival, através das variadas «laurenciadas» mascaradas de fraternidade, mas carregadas de revivalismo revolucionário, se tem pretendido recriar a unidade, aa mística e a força política do MFA.

Tal como então, apresenta-se este ao serviço de uma nebulosa ideológica. É evidente que não poderíamos esperar dos militares qualquer claridade de pensamento político. Normalmente os militares interventores são «contra». O que torna possível os golpes militares é uma relativa unidade de objectivos a combater, que progressivamente conquista a maioria da classe militar. Raramente os militares saberão definir um pensamento claro ou construtivo, uma linha de acção ideologicamente coerente. De resto para eles tal facto não se reveste de demasiada importância. A crença quase infantil na sua autocompetência para o desempenho de quaisquer tarefas leva-os a minimizar o problema do poder ao nível do comando de uma unidade qualquer.

Chegam por vezes a estar sinceramente convencidos de que a sua intromissão na vida pública resolve só por si a complexa problemática dum Estado moderno. E o que é mais trágico é que a experiência jamais anula o pendor simplista de uma corporação, assente essencialmente em valores extremamente singelos, e habituada a formas de acção que nada têm a ver com a complexidade da vida.

A história do MFA, depois do acerto inicial da Revolução, é uma história lamentável de fracassos sucessivos e de ilusões desfeitas. Infelizmente parece obstinar-se a dar-nos agora o triste espectáculo do capítulo final: a luta pela sobrevivência no poder.

Nada há de mais paradoxal do que a permanente invocação da democracia por homens incapazes de a compreenderem ou de se sujeitarem a ela. E nada há de mais triste do que a balbuciante tentativa de darem à democracia um conteúdo concreto. Insensivelmente assistimos a uma atitude de franca perturbação do processo democrático, assumida por aqueles que se arrogam a si próprios o direito e o dever de parteiras vigilantes da democracia nascente.

Recordemos que a perpetuação do Conselho da Revolução na sua forma e constituição actual não assenta em qualquer base constitucional ou jurídica. Pelo contrário, foi um decreto de efeitos retroactivos que, à margem de qualquer legitimidade, consagrou uma pura situação de facto – ou seja, uma mera situação revolucionária de força.

Todos estaríamos dispostos a aceitar essa situação de privilégio, como um facto histórico proveniente de um serviço prestado à Nação. Mas – como já aqui o escrevi há alguns anos –não podemos aceitar que essa situação de privilégio, democraticamente espúria, se pretenda afirmar como fonte de direito constitucional, anjo tutelar da Pátria e condicionante da vontade democrática do povo.

As mais recentes intervenções de alguns conselheiros da Revolução, com destaque especial para o senhor major Vasco Lourenço têm de ser interpretadas como tentativas de criação de um ambiente insurrecional e de perturbação inadmissível da ordem constitucional vigente. É tempo de acabar com o cinismo de um órgão que por um lado se reclama da imparcialidade e da neutralidade militar e por outro consente que os seus membros andem na praça pública transformados em galopins eleitorais e em fautores de desestabilização programada. Não basta dizer que unanimemente todos aceitam que o desaparecimento do Conselho da Revolução deverá ocorrer como um facto normal decorrente da revisão constitucional. O que se passa até lá pode revestir-se de uma gravidade indiscutível, se se continuar a percorrer a senda perigosa da perturbação por iniciativa do órgão militar da soberania, em perfeita sintonização com toda uma frente política de subversão democrática. E como sintoma característico surge agora o Conselho da Revolução como agente de reivindicação salarial dos militares – funcionários nitidamente privilegiados em relação ao resto da Nação. O paralelo com a reivindicação dos «quadros» contra os milicianos, que motivou as célebres reuniões pré-revolucionárias de 1973 – e que as novas«laurenciadas» de Setembro pretendem reviver , não pode deixar de aflorar ao nosso espírito.

O que pretende a guarda pretoriana do Regime? Tal como em Roma, espezinhar o Senado, impor o imperador e perpetuar os seus privilégios, ou consagrar um novo conceito de democracia, à maneira peruana ou argelina, sabiamente explorado e aproveitado pelas forças políticas de pensamento colectivista?

Já ninguém acredita há muito na neutralidade democrática do Conselho da Revolução, mas gostaríamos de continuar a acreditar pelo menos no seu respeito pela lei e pela expressão.»

PM