Nas
últimas semanas a comunicação social tem dado muito destaque à discussão sobre
a unificação das polícias em Portugal.
Essa
atenção tem-se focado muito no discurso de três personagens principais: [1.º] o
subcomissário da PSP, Hélder Andrade (que ostenta com maior facilidade o
prefixo “Dr.” que a sua categoria policial), presidente da Associação Sindical
de Oficiais de Polícia (ASOP), [2.º]o major da GNR, José Dias, presidente da
Associação Nacional dos Oficiais da Guarda (ANOG) e [3.º] o inspetor do SEF,
Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e
Fiscalização do SEF (SCIF).
A razão
de tão fértil discussão entre tão ilustres entidades presidenciais está numa
proposta que a ASOP, um dos inúmeros e pouco representativos sindicatos da PSP,
supostamente apresentou ao Ministério da Administração Interna e que ensaia um
estudo dos impactos de uma fusão entre a PSP, a GNR e o SEF.
A
proposta, cujas linhas gerais foram apresentadas pelo Dr. subcomissário num
seminário internacional organizado pela PSP sob o título «Desafios da Segurança
em Portugal» (do qual espero ansiosamente a publicação de Atas) teve o condão
de dominar totalmente a comunicação social e tem causado grande incómodo na GNR
e no SEF, ambos frontalmente visados numa arquitetura reformista que levaria à
extinção das três organizações (PSP, GNR e SEF) para dar lugar a uma Polícia
Nacional civil.
Não
deixa de ser curioso que seja do seio da PSP que surjam, com tanta frequência,
preocupações de racionalidade e propostas que ponham à frente da sua cultura
institucional e da sua longa história e tradição as necessidades reais do país,
ultrapassando as tão badaladas “pretensões corporativas” com que as outras
forças e serviços de segurança tantas vezes a acusam.
Poder-se-ia
pensar que a PSP não tem identidade institucional, não conhece a sua história e
não dá valor ao seu longínquo passado ou então, que a PSP não possui
credenciais de dimensão, representatividade e competência suficientes para
sobreviver enquanto organização.
Quem
conhece a história e a prestação operacional da PSP sabe que esta é a
organização policial mais antiga (de facto a PSP partilha com a PJ uma origem
que data de 1867, o que as torna a ambas, as polícias mais antigas de Portugal
em funcionamento) e que, ano após ano, a PSP tem assumido e consolidado a sua
posição enquanto órgão central da segurança dos portugueses. Os seus resultados
operacionais são incomparavelmente melhores que qualquer outra força de
segurança e a sua existência é incomensuravelmente menos dispendiosa que
qualquer outra (consultem-se os orçamentos, dividam-se pelos efetivos,
analise-se a taxa de enquadramento dirigente/operacional e comparem-se com os
resultados operacionais para que se obtenha uma visão real da sua eficácia e
eficiência).
Para
perceber isto é preciso ler atentamente os Relatórios Anuais de Segurança
Interna, conhecer o contributo real de cada um para a segurança dos
portugueses, saber fazer contas e ser honesto.
Todavia,
as propostas apresentadas e as ideias discutidas surgem delapidando os valores
identitários da PSP em favor da discussão de uma reforma necessária a bem de
todos os cidadãos portugueses.
Concordemos
ou não com as propostas da ASOP (pessoalmente, concordo com o princípio mas não
concordo com a formulação que considero ingénua), concordemos ou não com a
metodologia utilizada ou com a forma como são analisados os resultados do estudo
que as sustentam, essa proposta tem inúmeras virtudes que, obviamente, esbarram
num verdadeiro e denso corporativismo proveniente das estruturas militares, da
GNR, do SEF e já agora, da PJ, que cerram fileiras para guardar o seu “quintal”
e ripostam ofendidos, para proteger o seu status quo ainda que contra os
interesses do Estado e, sobretudo, dos cidadãos que todos os polícias devem
servir.
Atentemos
a algumas notas muito expressivas desta atitude.
O major
José Dias, com a desonestidade intelectual que lhe é característica, quando
abordado pela comunicação social sobre o Seminário Internacional «Desafios da
Segurança em Portugal» que iria ocorrer alguns dias depois, declarou
sapientemente que as perspetivas aí discutidas refletiam uma “visão parcial” do
modelo de segurança interna.
Esta
afirmação bizarra que indicia que José Dias prevê o futuro, desfia a lógica e a
racionalidade.
Todo o
discurso sobre a segurança interna tem sido dominado pelos militares (forças
armadas e GNR) excluindo propositadamente as forças e serviços de segurança
civis. Apenas isso permite compreender os absurdos que se têm defendido em
fóruns como o dos “Sábios Fontoura” que defendiam uma GNR grande e dura e uma
PSP pequena e ligeira como uma boa solução para a segurança dos portugueses.
Vamos escusar-nos de voltar a repisar a ignorância demonstrada pelos ditos
sábios.
Estamos
perante uma grande investida militar sobre o plano da segurança interna que não
admite discussões fora do habitual círculo castrense e do denso repertório de
lugares-comuns da linguagem“estratégica”, das teorias do conflito, dos
duplos-usos, das charneiras e das capacidades que pretende justificar o
injustificável.
José
Dias, não sabe o que significam os termos “parcial” ou “imparcial” e a GNR só
não está representada na discussão porque não admite o assunto à discussão sob
qualquer que seja a justificação.
No
jornal “O Crime” de 18 de abril de 2013, José Dias volta ao ataque atirando uma
boa mão-cheia de mentiras para defender a sua briosa e dispendiosa Guarda.
A
primeira grande mentira de José Dias atinge os custos de formação dos oficiais
da GNR por comparação com os oficiais da PSP.
Dias,
que ou não sabe fazer contas ou é mal-intencionado e oculta as despesas (como
aliás, é habitual na sua casa!), afirma que “com pouco mais de um milhão de
euros, a GNR forma 40 oficiais por ano. A PSP gasta anualmente 7 milhões na
formação de 20 oficiais”.
Esta
afirmação bombástica pretende comparar duas realidades completamente distintas
que não podem ser comparadas.
Gostávamos
de saber como é que a GNR faz as contas aos custos da formação dos oficiais da
GNR.
Em
primeiro lugar, fica por perceber se esse “pouco mais de um milhão de euros” de
40 oficiais corresponde a um ano de despesas de formação ou ao conjunto dos 5
anos do curso.
Depois
importava perceber se a GNR imputa a esses cursos o vencimento de todo o staff
de professores, auxiliares, corpo administrativo e dirigente, outros
funcionários do quadro orgânico quer da Academia Militar, quer da Escola da
Guarda onde lhes dá formação complementar e se inclui ainda o fardamento,
energia, pagamentos a alunos, despesas de saúde e outros bens e serviços. Temos
dúvidas!
O
orçamento de 7 milhões a que Dias se refere (e que é um valor que não se
encontra em parte alguma) aproxima-se mais dos custos anuais de todo o
Instituto de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI) que mantém
permanentemente em formação 200 alunos do curso de oficiais de polícia de
nacionalidade portuguesa e do conjunto de países de língua portuguesa dos
programas de cooperação, juntamente com todo o funcionamento de um conjunto de
formações superior e avançada destinada a polícias e a todos os cidadãos que os
queiram frequentar. Por ano, o ISCPSI tem mais de 400 alunos de todas as
proveniências.
Um
aluno do ISCPSI continua a sair mais barato que um da Academia Militar desde
que se saibam fazer as contas com honestidade!
Toda a
formação superior e avançada nacional e internacional da Polícia é feita no
ISCPSI e as suas publicações são geridas a partir dessa escola. A GNR, para
além da Academia Militar ainda tem formação na Escola da Guarda e nos dois
Centros de Formação que incompreensivelmente mantém em funcionamento paralelo
em Portalegre e na Figueira da Foz, no IDN, IESM e Universidade Nova e as suas
publicações são feitas à parte. O José Dias também faz contas a essas despesas?
Já
agora… porque forma a GNR 40 oficiais por ano? Talvez para os acrescentar ao
efetivo que mantém em Lisboa!
José
Dias vai mais longe deixando uma nota interessante. Refere o major que “a GNR
faz um juramento com a pátria e com os portugueses, não com os governos”… pois,
isto merece alguma reflexão.
A GNR
tem um histórico de serviço aos políticos bastante mais marcante do que
qualquer outra instituição existente neste país. Por muito que a GNR se esforce
por apagar e escrever novas versões da história, continuamos a ter na Primeira
República e no Estado Novo exemplos muito ilustrativos de como a GNR sempre
serviu o povo.
O
discurso da pátria e da nação tão típico dos militares tem sido o eufemismo
mais utilizado por essas instituições quando se referem ao serviço prestado ao
poder.
O fato
da GNR insistir com a tolerância política, na manutenção de cerca de um terço
do seu efetivo em Lisboa (o que inclui todas as suas unidades de reserva –
intervenção, cavalaria, GIPS, etc…)e, ao nível nacional, estar em praticamente
todas as localidades da jurisdição da PSP diz muito desse “serviço aos
portugueses” e deve merecer cuidada reflexão por parte do povo. Para quê
tamanha concentração de meios de elevada coercibilidade?
O major
Dias quando se pronuncia sobre qualquer assunto, raramente consegue esconder a
sua baixa condição moral a qual é substancialmente agravada pela soberba tão
tipicamente militar.
O major
que admite apenas, como mera teoria, uma fusão com a PSP, salienta: "Temos
uma experiência acumulada de agregar outras forças, como fizemos com a
Guarda-fiscal, a Brigada de Trânsito, e a Guarda-florestal. Também podemos
integrar as polícias municipais." Deixando assim o recado de que, a
acontecer uma fusão, a sua matriz deverá ser militar e liderada pela briosa
guarda.
Repare-se
na desonestidade da argumentação do major Dias que depois de apontar
escandalizado uma suposta intenção da PSP liderar um processo de fusão,
deixa-se denunciar pela sua sobranceira vaidade, referindo que isso só seria
admissível se a matriz fosse a da GNR.
A
argumentação do major Dias é pois, uma argumentação não baseada no interesse do
público, mas sim, no interesse corporativo militarista e todo o seu discurso
sobre o cidadão, a democracia e a pátria não é mais do que o habitual
palavreado burlão sistematicamente abusado pelos militares quando pretendem
continuar com a extorsão ao povo.
O
remate deste militar é brilhante e muito revelador do que os portugueses
realmente podem esperar: “Nós temos caráter e formação de militar, não de
polícias.”
Quanto
ao caráter do Sr. major e dos militares que o seu discurso representa estamos
esclarecidos.
O resto
vê-se pelo confronto entre os custos e os resultados. Infelizmente para a
desocupada tropa, o país precisa mais dos polícias que dos militares e o que
Portugal pede da GNR é que sejam polícias.
A GNR,
obviamente, não está interessada.
Como
bem diz o inspetor Acácio Pereira do SEF, sabemos que existem ideias e propostas
para todos os gostos, mas convenhamos que o cenário de reforma no sistema
policial parece ser, de facto, cada vez mais uma fatalidade que todos teremos
de enfrentar em nome da manutenção do Estado e do serviço ao público.
Resta
saber como vamos querer fazê-lo.
Referi
inicialmente que considerava a proposta da ASOP ingénua e terminarei explicando
a razão desta afirmação.
As
instituições militares, onde se inclui a GNR, nunca mudarão a sua tendência
depredatória e hegemónica. Uma instituição militar não admite ser assimilada ou
dirigida por uma estrutura civil porque considera estar acima desse patamar.
Ser militar não é uma questão de serviço, de missão, de entrega à causa
pública, é uma questão de status quo, de superioridade em relação às
demais funções sociais.
A
própria noção de “condição militar” é difícil de explicar em tempo de paz e não
encontra fundação em qualquer lei. É uma existência etérea aceite mais pela fé
do que pela demonstração prática.
A
afirmação “Nós temos caráter e formação de militar, não de polícias” é
de fato emblemática. A GNR parece exercer funções policiais apenas
acidentalmente. Na verdade são tropas como os outros. São tropas que querem ter
os seus próprios generais (como se não bastassem já os que existem), são tropas
que querem ter maiores domínios e controlar segmentos de força e poder na
segurança dos portugueses, são tropas para as quais as funções de prevenção da
criminalidade, do policiamento de proximidade e a prestação de serviço de
assistência contínua às populações não é uma prioridade.
Defender
uma fusão com um organismo como a GNR é, não só liquidar 150 anos de
conhecimento e experiência no desenvolvimento de critérios de policiamento
vocacionados para a segurança dos cidadãos, como é ainda militarizar a segurança
interna.
A GNR
não é diferente do exército, os seus efetivos assumem-se com toda a
naturalidade como militares e não como polícias e o seu discurso e postura é
marcadamente militar com todos os defeitos que essa“classe” tem e sempre terá.
A
formação de oficiais da GNR quer na Academia Militar, em número anual
incompreensível em face das necessidades daquela organização, quer das suas
praças (em 2012 foram admitidos 800 contra as muito racionais e tímidas 300
para agentes da PSP) é um outro fator que deve pesar na ponderação. Existe uma
clara aposta na massa. Quanto mais forem os militares da GNR, mais difícil será
mexer na sua organização.
Por
isso, já defendi nesta sede que a solução para a segurança dos portugueses e
para a racionalização da estrutura policial passa por encontrar um caminho
diferente para a GNR, deixando-a ser aquilo que lhe está na natureza – Militar
– e atribuindo-lhe um quadro de missões distinto e autónomo que a isente de
áreas tangentes ou secantes com a atividade policial.
Horácio
Clemente