Nunca te esqueças de quem és!
Olha-te ao espelho todos os dias e reconhece na tua cara a justiça, a serenidade e a coragem. Na rua, levanta a cabeça com orgulho. Ainda que mais ninguém saiba, estarás lá para nos proteger a todos e, quando necessário, agirás, sem hesitação.
Nunca te esqueças de quem és porque, no dia seguinte, terás de olhar novamente o espelho e continuar a reconhecer na tua própria cara, a justiça, a serenidade e a coragem.

terça-feira, 30 de abril de 2013

"Nós temos caráter e formação de militar, não de polícias"


Nas últimas semanas a comunicação social tem dado muito destaque à discussão sobre a unificação das polícias em Portugal.

Essa atenção tem-se focado muito no discurso de três personagens principais: [1.º] o subcomissário da PSP, Hélder Andrade (que ostenta com maior facilidade o prefixo “Dr.” que a sua categoria policial), presidente da Associação Sindical de Oficiais de Polícia (ASOP), [2.º]o major da GNR, José Dias, presidente da Associação Nacional dos Oficiais da Guarda (ANOG) e [3.º] o inspetor do SEF, Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF (SCIF).

A razão de tão fértil discussão entre tão ilustres entidades presidenciais está numa proposta que a ASOP, um dos inúmeros e pouco representativos sindicatos da PSP, supostamente apresentou ao Ministério da Administração Interna e que ensaia um estudo dos impactos de uma fusão entre a PSP, a GNR e o SEF.

A proposta, cujas linhas gerais foram apresentadas pelo Dr. subcomissário num seminário internacional organizado pela PSP sob o título «Desafios da Segurança em Portugal» (do qual espero ansiosamente a publicação de Atas) teve o condão de dominar totalmente a comunicação social e tem causado grande incómodo na GNR e no SEF, ambos frontalmente visados numa arquitetura reformista que levaria à extinção das três organizações (PSP, GNR e SEF) para dar lugar a uma Polícia Nacional civil.

Não deixa de ser curioso que seja do seio da PSP que surjam, com tanta frequência, preocupações de racionalidade e propostas que ponham à frente da sua cultura institucional e da sua longa história e tradição as necessidades reais do país, ultrapassando as tão badaladas “pretensões corporativas” com que as outras forças e serviços de segurança tantas vezes a acusam.

Poder-se-ia pensar que a PSP não tem identidade institucional, não conhece a sua história e não dá valor ao seu longínquo passado ou então, que a PSP não possui credenciais de dimensão, representatividade e competência suficientes para sobreviver enquanto organização.

Quem conhece a história e a prestação operacional da PSP sabe que esta é a organização policial mais antiga (de facto a PSP partilha com a PJ uma origem que data de 1867, o que as torna a ambas, as polícias mais antigas de Portugal em funcionamento) e que, ano após ano, a PSP tem assumido e consolidado a sua posição enquanto órgão central da segurança dos portugueses. Os seus resultados operacionais são incomparavelmente melhores que qualquer outra força de segurança e a sua existência é incomensuravelmente menos dispendiosa que qualquer outra (consultem-se os orçamentos, dividam-se pelos efetivos, analise-se a taxa de enquadramento dirigente/operacional e comparem-se com os resultados operacionais para que se obtenha uma visão real da sua eficácia e eficiência).

Para perceber isto é preciso ler atentamente os Relatórios Anuais de Segurança Interna, conhecer o contributo real de cada um para a segurança dos portugueses, saber fazer contas e ser honesto.

Todavia, as propostas apresentadas e as ideias discutidas surgem delapidando os valores identitários da PSP em favor da discussão de uma reforma necessária a bem de todos os cidadãos portugueses.

Concordemos ou não com as propostas da ASOP (pessoalmente, concordo com o princípio mas não concordo com a formulação que considero ingénua), concordemos ou não com a metodologia utilizada ou com a forma como são analisados os resultados do estudo que as sustentam, essa proposta tem inúmeras virtudes que, obviamente, esbarram num verdadeiro e denso corporativismo proveniente das estruturas militares, da GNR, do SEF e já agora, da PJ, que cerram fileiras para guardar o seu “quintal” e ripostam ofendidos, para proteger o seu status quo ainda que contra os interesses do Estado e, sobretudo, dos cidadãos que todos os polícias devem servir.

Atentemos a algumas notas muito expressivas desta atitude.

O major José Dias, com a desonestidade intelectual que lhe é característica, quando abordado pela comunicação social sobre o Seminário Internacional «Desafios da Segurança em Portugal» que iria ocorrer alguns dias depois, declarou sapientemente que as perspetivas aí discutidas refletiam uma “visão parcial” do modelo de segurança interna.

Esta afirmação bizarra que indicia que José Dias prevê o futuro, desfia a lógica e a racionalidade.

Todo o discurso sobre a segurança interna tem sido dominado pelos militares (forças armadas e GNR) excluindo propositadamente as forças e serviços de segurança civis. Apenas isso permite compreender os absurdos que se têm defendido em fóruns como o dos “Sábios Fontoura” que defendiam uma GNR grande e dura e uma PSP pequena e ligeira como uma boa solução para a segurança dos portugueses. Vamos escusar-nos de voltar a repisar a ignorância demonstrada pelos ditos sábios.

Estamos perante uma grande investida militar sobre o plano da segurança interna que não admite discussões fora do habitual círculo castrense e do denso repertório de lugares-comuns da linguagem“estratégica”, das teorias do conflito, dos duplos-usos, das charneiras e das capacidades que pretende justificar o injustificável.

José Dias, não sabe o que significam os termos “parcial” ou “imparcial” e a GNR só não está representada na discussão porque não admite o assunto à discussão sob qualquer que seja a justificação.

No jornal “O Crime” de 18 de abril de 2013, José Dias volta ao ataque atirando uma boa mão-cheia de mentiras para defender a sua briosa e dispendiosa Guarda.

A primeira grande mentira de José Dias atinge os custos de formação dos oficiais da GNR por comparação com os oficiais da PSP.

Dias, que ou não sabe fazer contas ou é mal-intencionado e oculta as despesas (como aliás, é habitual na sua casa!), afirma que “com pouco mais de um milhão de euros, a GNR forma 40 oficiais por ano. A PSP gasta anualmente 7 milhões na formação de 20 oficiais”.

Esta afirmação bombástica pretende comparar duas realidades completamente distintas que não podem ser comparadas.

Gostávamos de saber como é que a GNR faz as contas aos custos da formação dos oficiais da GNR.

Em primeiro lugar, fica por perceber se esse “pouco mais de um milhão de euros” de 40 oficiais corresponde a um ano de despesas de formação ou ao conjunto dos 5 anos do curso.

Depois importava perceber se a GNR imputa a esses cursos o vencimento de todo o staff de professores, auxiliares, corpo administrativo e dirigente, outros funcionários do quadro orgânico quer da Academia Militar, quer da Escola da Guarda onde lhes dá formação complementar e se inclui ainda o fardamento, energia, pagamentos a alunos, despesas de saúde e outros bens e serviços. Temos dúvidas!

O orçamento de 7 milhões a que Dias se refere (e que é um valor que não se encontra em parte alguma) aproxima-se mais dos custos anuais de todo o Instituto de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI) que mantém permanentemente em formação 200 alunos do curso de oficiais de polícia de nacionalidade portuguesa e do conjunto de países de língua portuguesa dos programas de cooperação, juntamente com todo o funcionamento de um conjunto de formações superior e avançada destinada a polícias e a todos os cidadãos que os queiram frequentar. Por ano, o ISCPSI tem mais de 400 alunos de todas as proveniências.

Um aluno do ISCPSI continua a sair mais barato que um da Academia Militar desde que se saibam fazer as contas com honestidade!

Toda a formação superior e avançada nacional e internacional da Polícia é feita no ISCPSI e as suas publicações são geridas a partir dessa escola. A GNR, para além da Academia Militar ainda tem formação na Escola da Guarda e nos dois Centros de Formação que incompreensivelmente mantém em funcionamento paralelo em Portalegre e na Figueira da Foz, no IDN, IESM e Universidade Nova e as suas publicações são feitas à parte. O José Dias também faz contas a essas despesas?

Já agora… porque forma a GNR 40 oficiais por ano? Talvez para os acrescentar ao efetivo que mantém em Lisboa!

José Dias vai mais longe deixando uma nota interessante. Refere o major que “a GNR faz um juramento com a pátria e com os portugueses, não com os governos”… pois, isto merece alguma reflexão.

A GNR tem um histórico de serviço aos políticos bastante mais marcante do que qualquer outra instituição existente neste país. Por muito que a GNR se esforce por apagar e escrever novas versões da história, continuamos a ter na Primeira República e no Estado Novo exemplos muito ilustrativos de como a GNR sempre serviu o povo.

O discurso da pátria e da nação tão típico dos militares tem sido o eufemismo mais utilizado por essas instituições quando se referem ao serviço prestado ao poder.

O fato da GNR insistir com a tolerância política, na manutenção de cerca de um terço do seu efetivo em Lisboa (o que inclui todas as suas unidades de reserva – intervenção, cavalaria, GIPS, etc…)e, ao nível nacional, estar em praticamente todas as localidades da jurisdição da PSP diz muito desse “serviço aos portugueses” e deve merecer cuidada reflexão por parte do povo. Para quê tamanha concentração de meios de elevada coercibilidade?

O major Dias quando se pronuncia sobre qualquer assunto, raramente consegue esconder a sua baixa condição moral a qual é substancialmente agravada pela soberba tão tipicamente militar.

O major que admite apenas, como mera teoria, uma fusão com a PSP, salienta: "Temos uma experiência acumulada de agregar outras forças, como fizemos com a Guarda-fiscal, a Brigada de Trânsito, e a Guarda-florestal. Também podemos integrar as polícias municipais." Deixando assim o recado de que, a acontecer uma fusão, a sua matriz deverá ser militar e liderada pela briosa guarda.

Repare-se na desonestidade da argumentação do major Dias que depois de apontar escandalizado uma suposta intenção da PSP liderar um processo de fusão, deixa-se denunciar pela sua sobranceira vaidade, referindo que isso só seria admissível se a matriz fosse a da GNR.

A argumentação do major Dias é pois, uma argumentação não baseada no interesse do público, mas sim, no interesse corporativo militarista e todo o seu discurso sobre o cidadão, a democracia e a pátria não é mais do que o habitual palavreado burlão sistematicamente abusado pelos militares quando pretendem continuar com a extorsão ao povo.

O remate deste militar é brilhante e muito revelador do que os portugueses realmente podem esperar: “Nós temos caráter e formação de militar, não de polícias.

Quanto ao caráter do Sr. major e dos militares que o seu discurso representa estamos esclarecidos.

O resto vê-se pelo confronto entre os custos e os resultados. Infelizmente para a desocupada tropa, o país precisa mais dos polícias que dos militares e o que Portugal pede da GNR é que sejam polícias.

A GNR, obviamente, não está interessada.

Como bem diz o inspetor Acácio Pereira do SEF, sabemos que existem ideias e propostas para todos os gostos, mas convenhamos que o cenário de reforma no sistema policial parece ser, de facto, cada vez mais uma fatalidade que todos teremos de enfrentar em nome da manutenção do Estado e do serviço ao público.

Resta saber como vamos querer fazê-lo.

Referi inicialmente que considerava a proposta da ASOP ingénua e terminarei explicando a razão desta afirmação.

As instituições militares, onde se inclui a GNR, nunca mudarão a sua tendência depredatória e hegemónica. Uma instituição militar não admite ser assimilada ou dirigida por uma estrutura civil porque considera estar acima desse patamar. Ser militar não é uma questão de serviço, de missão, de entrega à causa pública, é uma questão de status quo, de superioridade em relação às demais funções sociais.

A própria noção de “condição militar” é difícil de explicar em tempo de paz e não encontra fundação em qualquer lei. É uma existência etérea aceite mais pela fé do que pela demonstração prática.

A afirmação “Nós temos caráter e formação de militar, não de polícias” é de fato emblemática. A GNR parece exercer funções policiais apenas acidentalmente. Na verdade são tropas como os outros. São tropas que querem ter os seus próprios generais (como se não bastassem já os que existem), são tropas que querem ter maiores domínios e controlar segmentos de força e poder na segurança dos portugueses, são tropas para as quais as funções de prevenção da criminalidade, do policiamento de proximidade e a prestação de serviço de assistência contínua às populações não é uma prioridade.

Defender uma fusão com um organismo como a GNR é, não só liquidar 150 anos de conhecimento e experiência no desenvolvimento de critérios de policiamento vocacionados para a segurança dos cidadãos, como é ainda militarizar a segurança interna.

A GNR não é diferente do exército, os seus efetivos assumem-se com toda a naturalidade como militares e não como polícias e o seu discurso e postura é marcadamente militar com todos os defeitos que essa“classe” tem e sempre terá.

A formação de oficiais da GNR quer na Academia Militar, em número anual incompreensível em face das necessidades daquela organização, quer das suas praças (em 2012 foram admitidos 800 contra as muito racionais e tímidas 300 para agentes da PSP) é um outro fator que deve pesar na ponderação. Existe uma clara aposta na massa. Quanto mais forem os militares da GNR, mais difícil será mexer na sua organização.

Por isso, já defendi nesta sede que a solução para a segurança dos portugueses e para a racionalização da estrutura policial passa por encontrar um caminho diferente para a GNR, deixando-a ser aquilo que lhe está na natureza – Militar – e atribuindo-lhe um quadro de missões distinto e autónomo que a isente de áreas tangentes ou secantes com a atividade policial.

 

Horácio Clemente