Duas entidades presidenciais sindicais têm alinhado discursos nos últimos tempos para atacar quaisquer ideias, estudos e propostas de racionalização dos modelos nacionais de Polícia, para se defenderem da emergência de teorias de unificação de Polícias e para sacudirem a possibilidade das organizações a que pertencem desaparecerem por inutilidade.
São essas personagens Acácio Pereira, presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF (SCIF-SEF) e Carlos Garcia, presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC-PJ), ambos com frequente acesso à comunicação social.
O primeiro, Acácio Pereira, destacou-se claramente no Diário de Notícias de 5 de abril de 2013 com um artigo de opinião com o título «As polícias não servem para montar armadilhas».
Neste artigo de opinião, Acácio Pereira dedica-se a fazer uma colagem às posições habituais da ASFIC-PJ em relação à partilha das competências de investigação criminal e aquilo que apelida de intromissões em competências reservadas de investigação. Esta colagem, aliás, é algo que se tornou muito frequente nos últimos anos e que demonstra o desejo de uma boa parte dos funcionários do SEF: a ascensão a corpo superior de polícia (seja lá o que isso for!?), se necessário, integrando-se na PJ!
Ao copiar os argumentos da PJ em relação à Lei de Organização de Investigação Criminal (LOIC), Acácio Pereira mete os pés pelas mãos, demonstra que não conhece a Lei e tortura-nos com a sua ignorância e com a sua tentativa de se colocar literalmente em “bicos de pés”.
Acácio Pereira consegue de forma realmente criativa, conceber três tipos de competência de investigação criminal “competência genérica”, “competência específica” e “competência reservada”. Na realidade, existem apenas dois tipos, não de competências, mas de órgãos de polícia criminal: os de competência genérica (PJ, GNR e PSP) e os de competência específica (todos os restantes onde se encontra o SEF). As competências reservadas existem para garantir que, em regra, os crimes de um determinado elenco são investigados apenas por um determinado órgão de polícia criminal que detém acesso a informação, conhecimento e tecnologia que permitam produzir prova de natureza mais complexa.
No caso português, o único órgão de polícia criminal que detém por Lei competências reservadas é a PJ (um OPC de competência genérica), apenas para o elenco das condutas previstas no artigo 5.º da LOIC.
Por curiosidade se diga que, apesar da sua elevada especificidade, o SEF não tem quaisquer competências de investigação criminal que lhes sejam exclusivas. Ser específico é uma característica de especialidade e não de exclusividade. Continua Acácio indignando-se contra a intromissão da PSP e da GNR, nas suas áreas de trabalho (específicas e reservadas – a tal colagem permanente à PJ) justificando essa intromissão, com a necessidade que estes OPC têm de serem permanentemente mediatizados.
O remate final é brilhante e revelador de intenso desespero, pelo que irei transcrever as palavras exatas que Acácio Pereira utiliza para se referir à PSP e GNR: “Há, aliás, uma coisa que a maioria dos cidadãos já percebeu: são estas as mesmas entidades que procuram ocupar o espaço que não é o seu a demitirem-se de alguns dos seus deveres, nomeadamente o da visibilidade, escondendo-se atrás das barreiras de proteção nas estradas e montando verdadeiras armadilhas de caça às multas, ao invés de dissuadirem as infrações com a sua presença visível.”Não há palavras para qualificar esta afirmação do representante dos inspetores do SEF. Faltam-lhe argumentos ou foi recentemente autuado?!Falemos então do SEF, das suas competências e de armadilhas.
O orçamento do SEF parece efetivamente ser baixo, mas temos de aprender a fazer as comparações como deve de ser. Na verdade, o SEF é uma das organizações policiais portuguesas com maior orçamento per capita. Até certo ponto poder-se-ia perceber este fato à luz da sua especialidade, mas realmente, o seu custo está essencialmente na manutenção de uma estrutura hierárquica com demasiados dirigentes, aspeto que recentemente mereceu alguma atenção política.
As competências que hoje são do SEF têm origens remotas nas competências da antiga Polícia Civil (a origem de todas as polícias civis do país: PSP, PJ, SEF e ASAE). O SEF é uma organização autónoma há muito pouco tempo, não possuindo nenhuma congénere na Europa, onde as competências de estrangeiros costumam estar nas Polícias Nacionais.
No campo da investigação criminal o SEF gere na ordem dos 1000 inquéritos criminais por ano (menos que a Polícia Marítima). Se visitarmos as Estatísticas da Justiça podemos constatar que em 2010 (período que podemos comparar com toda a clareza) foram distribuídos pelo Ministério Público ao SEF 579 inquéritos, à PJ 34.756 inquéritos, à GNR 722.054 inquéritos e à PSP 741.183. Escuso-me de explorar esses dados.
Sendo verdade que o tipo de inquéritos é distinto e o pessoal disponível para os resolver também, a taxa de esforço das forças de segurança em relação aos “corpos superiores de polícia” é substancialmente maior e isso merece respeito porque representa um dos mais importantes contributos para a segurança e justiça dos portugueses.
Diga-se em abono da verdade, que a PJ nunca conseguiu garantir uma taxa de sucesso decente enquanto tinha toda a investigação criminal a seu cargo! Não se percebe porque estão com tanto peito agora. Vamos voltar à época dos arquivamentos em massa?
Finalmente, em relação a “intromissões e armadilhas” gostaria de mencionar um episódio recente.
O SEF noticiou com toda a pompa e circunstância que detivera em flagrante delito dois georgianos que assaltaram a casa do juiz-conselheiro Cardona Ferreira.
A história ganha contornos mirabolantes descrevendo o Diário de Notícias que: “Eram 13.00 quando os investigadores do SEF, que estavam a fazer uma vigilância numa rua da freguesia de Santa Maria dos Olivais, se depararam com dois “velhos” conhecidos: dois georgianos a quem este ano já tinha sido dada ordem para abandonar o território português, por estarem em situação de permanência ilegal. Longe de imaginarem que tinham acabado de ser “caçados” pelas objetivas desta polícia, os dois georgianos dirigiram-se a um prédio e iniciaram o seu modus operandi. Enquanto um deles entrou no edifício, outro ficou junto à porta da rua a fazer vigilância. Segundo foi apurado na investigação ao apartamento, este tinha uma porta com fechadura de alta segurança e estava trancada. No entanto, explicou ao DN fonte da investigação, “demorou menos de um minuto aos assaltantes abrirem a porta”. Segundo a mesma fonte, estes assaltantes eram uma “célula” de uma rede internacional e são verdadeiros profissionais. Utilizam gazuas, vulgo “chaves falsas”, para abrirem as portas. “São silenciosos e eficazes”, afiança. […] O SEF acredita que “pelo perfil dos indivíduos e pelo modus operandi’ se está perante o “fenómeno designado por criminalidade itinerante, responsável pelo aumento que se tem vindo a registar da prática do crime de furto a residências”.
O texto de má qualidade é da senhora Valentina Marcelino, caneta de aluguer e auto-declarada especialista em segurança interna.
Então deixem ver se compreendi:
1. O SEF estava em Santa Maria dos Olivais a fazer uma vigilância que nada tinha que ver com crimes contra o património, apenas com a competência muito específica de estrangeiros em permanência ilegal.
2. Aparecem uns tipos que, por acaso são estrangeiros e que, também por acaso são georgianos e que, ainda por acaso, andam a fazer assaltos em residências e que, por acaso aqueles inspetores do SEF conhecem.
3. Por acaso, o SEF sabe que os georgianos andam a fazer assaltos a residências.
4. Sabendo o que faziam os georgianos, deixaram-nos atuar à vontade (queremos supor que continuaram a “outra” vigilância).
5. De seguida, os georgianos saíam carregados e os do SEF, fizeram um flagrante, correndo de seguida para a comunicação social.
6. O SEF, diligente, indica ainda à comunicação social o local onde faziam vigilâncias, queimando qualquer possibilidade de voltar a passar despercebido na zona para continuar a “outra” investigação.
Acácio: Isto parece ter todos os ingredientes de que falava quando se referia à PSP e à GNR, veja:
1. O crime primário é contra o património e não é por ser cometido por estrangeiros que é, necessariamente, da competência do SEF.
2. O SEF não comunicou os fatos a nenhum outro OPC.
3. “Não estava a investigar aquele crime” (pois não, pois não!) mas aguardou que o crime fosse cometido, não agindo preventivamente, preferindo criar uma “armadilha”, sabendo que poderia estar a colocar em risco a integridade física de outros cidadãos da zona.
4. Não solicitou apoio tático da força de segurança territorialmente competente.
5. Denunciou tudo à comunicação social, inclusivamente a zona, o modus operandi, as nacionalidades envolvidas, o nome da vítima, o local da sua residência (rua Cidade da Beira – Correio da Manhã de 19 de abril) e até o que fora subtraído (mais de 20 mil euros em notas, dois cofres fechados e armas de defesa pessoal do magistrado: um revólver e uma pistola semiautomática, com dezenas de munições, para além de documentos – Correio da Manhã de 19 de abril)! Toda a gente sabe o que tinha e como e onde vive a vítima que, a partir de hoje, estará certamente mais tranquila!
Mas ó Acácio… não há problema, foi um bom serviço policial e os colegas do SEF estão de parabéns. Nós, no Polícia Sinaleiro, não sentimos que um monte de bandidos presos pelo SEF seja uma intromissão na nossa horta.
O que interessa é que os bandidos estão dentro e esses já não fazem mais nenhuma durante uns tempos.
Acácio aprenda que “pela boca, morre o peixe!”
PM