Nunca te esqueças de quem és!
Olha-te ao espelho todos os dias e reconhece na tua cara a justiça, a serenidade e a coragem. Na rua, levanta a cabeça com orgulho. Ainda que mais ninguém saiba, estarás lá para nos proteger a todos e, quando necessário, agirás, sem hesitação.
Nunca te esqueças de quem és porque, no dia seguinte, terás de olhar novamente o espelho e continuar a reconhecer na tua própria cara, a justiça, a serenidade e a coragem.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

As forças de segurança, pelo General Monteiro Valente

Augusto José Monteiro Valente (1944 – 2012), Major-general do Exército que exerceu funções na GNR entre 1999 e 2003, saindo da guarda depois de ter sido 2.ºcomandante-geral daquela força militar, publicou em Outubro de 2011, uma reflexão interessante sobre a segurança interna e os modelos de polícia.

Como não é raro entre os militares, após uma problematização coerente, chegou lamentavelmente a conclusões erradas, acompanhando o fraco e mal sustentado modelo de manutenção da GNR com atribuições diferenciadas de uma Polícia Nacional e explicando mal como é que isso se conjuga com a exposição que acabara de fazer (basicamente o modelo Fontoura!).

As suas propostas contêm o desvio habitual: enfermam do mal corporativo de querer defender a manutenção de estruturas militares supérfluas, dando-lhes competências que não têm ou que não exercem melhor (ou há mais tempo que outros) para poder justificar a sua existência e consolidar o poder.

Sem querer descontextualizar, seleccionei alguns excertos deste texto que foi publicado na revista «Modus Operandi», n.º 4, da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC).
 

1. Sobre o facto de existirem polícias a mais:

“O MAI tem respondido sistematicamente afirmando que a média de polícias por habitante em Portugal é sensivelmente idêntica à média europeia (250/300 por habitante) –o que é uma verdade. O MAI, todavia, tem omitido sempre a informação sobre o quantitativo dos efetivos que está permanentemente desviado da sua função primária e, igualmente, nada diz sobre os que são desperdiçados por um modelo policial excessivamente diversificado e com muitas áreas de sobreposição de competências, pela multiplicação de estruturas administrativas, logísticas, operacionais e de instrução, por uma organização excessivamente burocratizada e por um dispositivo territorial demasiado atomizado.

Em nosso entender, o problema fulcral reside, desde logo, na multiplicidade de corpos policiais. Portugal tem mantido um sistema de dupla componente policial, cujo paradigma reside na coexistência de dois corpos policiais, um de natureza militar e outro civil, com competências genéricas comuns (de polícia administrativa e criminal) em todo o País, embora com jurisdição territorial repartida e algumas competências específicas. (…) Por outro lado, Portugal adoptou um modelo de pluralismo horizontal, com vários corpos policiais autónomos de competência geral e específica – GNR, PSP, Polícia Judiciária, Polícia Marítima, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, polícias Municipais, Polícia Judiciária Militar e Polícias Militares dos Ramos das Forças Armadas, e várias outras, num total de cerca de 20, todos com estruturas superiores sobredimensionadas.

Esta situação resulta naturalmente na sobreposição de competências policiais, em conflitos negativos de disputa de protagonismo, em dificuldades de articulação e coordenação, na perda de eficácia geral, e em maiores encargos em recursos humanos, materiais e financeiros.”
 

2. Sobre a reforma da Lei Orgânica da GNR no tempo do Governo Sócrates e ministro Rui Pereira:

“As últimas reformas das Forças de Segurança só agravaram a situação, na medida em que acentuaram a componente da reacção/intervenção sobre a da prevenção e o centralismo sobre a proximidade dos cidadãos, criando ao mesmo tempo, novas situações de sobreposição de competências, como são os casos da Unidade Costeira da GNR com a Polícia Marítima (duas marinhas no mesmo país) e dos Grupos de Intervenção Proteção e Socorro (GIPS) com a Proteção Civil, e agravando-se o sobredimensionamento dos órgãos superiores de comando e direcção, com prejuízo para a disponibilidade dos efectivos para a sua missão primária– o policiamento.

Veja-se, a título de exemplo, de exemplo, a última reforma da GNR (Lei n.º 63/2007, de 6 de Novembro). Os quatro comandos regionais foram extintos para dar lugar a três novos órgãos centrais de comando de oficial general; dois Regimentos de Lisboa (de comando de Coronel) deram lugar a duas unidades de comando de oficial general (Unidade de Segurança e Honras de Estado e Unidade de Intervenção); o comando-geral da Guarda (que de 4 oficiais generais anteriormente, conta agora com 7) passou a comandar diretamente os dezoito comando territoriais (distritais) no continente (que de 1 tenente-coronel e 1 capitão adjunto, passaram a 1 coronel, 1 tenente-coronel e 3 majores) e mais dois nas Regiões Autónomas, com o consequente aumento de dificuldades de controlo da situação real e de resposta a situações de emergência.”

Em nota de rodapé escreve ainda sobre a Unidade de Segurança e Honras de Estado:

“(…)convenhamos que é um luxo incompatível com a situação financeira do país e com as carências de efectivos para o policiamento geral ter uma unidade de comando de oficial general destinada essencialmente a prestar honras de Estado. Porque não se atribui esta missão às Forças Armadas? (…)”
 

3. Sobre o impacto de tudo isto:

“Note-se que, para além das consequências financeiras, o aumento do número de graduados afecta a disponibilidade de efectivos para o serviço policial, na medida em que em forças bastante hierarquizadas os quadros são por regra menos empenhados na actividade operacional.

O Estado tem-se mostrado fraco a combater os corporativismos, cedendo com demasiada facilidade a propostas ditadas por pressões internas e pela disputa de protagonismos pessoais e/ou institucionais; e tem revelado, igualmente, muita hesitação, e mesmo alguma incompetência, nas reformas que tem levado a efeito. A situação de crise financeira que Portugal vive poderia, e deveria, ter constituído a oportunidade para repensar todo o sistema de segurança interna, optimizando os recursos e dotando-os de maior racionalidade e eficácia, mas foi mais uma oportunidade perdida, e as reformas que se fizeram foram em sentido contrário.”

Como já referi, a exposição é interessante e coerente e as conclusões nada têm a ver com o que foi exposto, tal é o esforço para garantir que nada compromete a eterna aliança castrense.

O discurso do General o que faz, em certa medida, é dar argumentos à posição contrária. O que defende é exatamente o oposto do que acabara de argumentar.

Seguindo coerentemente os seus argumentos, dir-se-ia que o sistema policial deveria ter uma Polícia Nacional e uma Polícia Judiciária.

Á margem deste modelo estritamente policial, poderia existir uma guarda, inteiramente militar, sem competências policiais administrativas ou criminais no território e junto das populações, mas com a possibilidade de garantir o que atualmente faz a Polícia Marítima na água, a Polícia Judiciária Militar dentro dos quartéis e as Polícias Militares dos ramos das Forças Armadas no controlo interno das tropas.

Se isto fosse defendido, teríamos certamente concordado com tudo.

É uma constatação de facto que a GNR quer ser militar. Pois que seja… deixando de ser polícia e força de segurança!


PM